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Nome: Sinhá Menina
Idade: ainda um coyote
Nasc.: era das Heras
Signo: leão
E-mail: A_Sinhazinha
@hotmail.com

Messenger: o mesmo

Sugiro:
Comprar urgentemente o novo álbum de Bethânia,«Que Falta Que Você Me Faz», porque lá dentro tem esta pérola perfeita:

Podem me chamar
E me pedir e me rogar
E podem mesmo falar mal
Ficar de mal que não faz mal
Podem preparar
Milhões de festas ao luar
Que eu não vou ir
Melhor nem pedir
Eu não vou ir, não quero ir
E também podem me obrigar
Até sorrir, até chorar
e podem mesmo imaginar
O que melhor lhes parecer
Podem espalhar
Que eu estou cansado de viver
E que é uma pena
Para quem me conheceu
Eu sou mais você
E ... eu


[Vinícius de Moraes]


Não Recomendo:
O consumo de produtos transgénicos

Coisas da Terra:




moon phases
 


Mural da Amazona:













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   quinta-feira, setembro 30, 2004  

PEQUENOS DEMÓNIOS

J’ai un amant pour le jour
Et un mari pour la nuit
J’ai un amant pour l’amour
Et un mari pour la vie
Si je le trompe le jour
Je suis fidèle la nuit
Ma vie ce passe toujours au ciel de lit

Je pris l’ amant pour mari
Et un amant pour amant
Qui deviendra mon mari aussi longtemps
Que je n’aurais pas en vie
De prendre un nouvelle amant
Je remplacera mon mari en entendant

Je suis belle pour mon amant
Je suis laid pour mon mari
Si douce pour mon amant
Méchante pour mon mari
La remplacer mon mari
Lui ne veut pas mon amant
C’est une chose établi de pour longtemps*


É uma gravação roufenha, eu sei! É antiga e os anos pioraram-lhe a qualidade. Mas coloco-a para tocar *aqui porque vai sendo cada vez mais raro encontrar quem tenha ainda um gira-discos em casa!... E é um pecado longe de remissão não escutar esta canção... não ouvir a voz de *Bardot em «Ciel de Lit»!

(...)

As loiras estão para o indigenista Frederico como os recursos naturais da Floresta para a cobiça das grandes multinacionais estrangeiras: uma preciosidade raramente vista a justificar todos os meios, uma cobiça acima de qualquer pudor, a afastar para longe vergonha e respeito. Para o indigenista Frederico, as loiras são cupinambás da "América dos americanos" que começaram por rebolar a tela de cinema uma vez por mês, no munícipio de Santarém e, recentemente, dormem o seu sono de princesas raio de sol nas prateleiras da loja de video-cassetes que Abelardo, caboclo metido a esperto, com costela de mascate e olho espreitado para o negócio, abriu na rua que sai da praça.
A cada vez que o céu se cerrava à bátega de chuva das duas da tarde e nos recolhiamos sob o alpendre dos fundos da casa, eu seguia o encantamento enlevado nas atenções do indigenista Frederico. Muitas vezes me ocorreu que lhe observava o deslumbre com um fascínio de observação, nesse sentido, muito semelhante ao seu. Algumas outras me ocorreu embicar a conversa distribuída por todos nós, dos bancos da mesa às redes, para esse tema que sempre ganhava o centro da questão, mas sempre permanecia cuidadosamente calado na boca do pecador silencioso. Pensei em alertar o indigenista Frederico para esses pequenos demónios presos por vezes em loiros fios de cabelo, em avisá-lo que nem tudo o que reluz é anjo e que algumas claridades ofuscam mais que a negra asa do corvo. Mas, então, olhando os seus olhos de fogo de guerreiro da aldeia, os seus olhos de fogo habituados ao avanço da cobra grande e da onça pintada no quebrado da mata, pareceu-me ridículo o zelo. Em todo o caso, de volta ao município vou levar-lhe o canto loiro de Bardot, anjo maldito criado pelo Deus Vadim no auge das sibilinas paixões humanas. E vou falar-lhe de como Paris desafiou a "América dos americanos", servindo-lhe esse doce veneno loiro em irresistíveis garrafinhas com aroma a perfume francês, esquecendo-se de mencionar no rótulo o quão letal podia ser a mais pequena porção que dele se entornasse ao corpo.

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Sinhá Menina|3:27 da tarde|1 Enviar um comentário




   quarta-feira, setembro 29, 2004  

ASSIM: ...SEM MAIS NADA


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Sinhá Menina|11:07 da tarde|0 Enviar um comentário



 

POR «CASA DAS MUSAS»

Mágica é a vida, para nós que nos perdemos no entretém das criações sem preço nem comprador. Dias de liberdade sorrindo intocáveis: a salvo do vil metal. A «Casa das Musas» podia servir para ser só assim, sim. Achas verdadeiramente que as combinações são arbitrários jogos casuais? Pois eu digo-te que não, que cada vez acredito menos que sejam. E tu não respondes. Voltas com mais uma caneca do teu chá verde, sentas-te aos meus pés e afias o meu lápis rombo, como quem me quer aguçar a escrita. Reclamas de todos os caprichos em desuso com que me vou opondo à modernidade e eu falo-te das madeiras e dos seringais que passeei do outro lado das águas. Abro a janela porque a luz nunca me é de mais. Fechas a janela porque às vezes também há excessos que te incomodam. Reclamas das aparas que te espalho no tapete mas vens comigo da mesa ao chão. Arrumamos o desalinho mais logo!... Mais para o fim do dia. Ou talvez depois de amanhã. Logo se vê. Gosto do colorido caótico de tudo o que se espalha aqui à mercê das fúrias das nossas invenções sem patrono. E tu ris. Pintas mais um ângulo ao joelho e retocas aquela curva preferida na barriga da perna. Ris e eu torno a mexer-me porque me lembro que sabe bem escrever de cabeça para baixo. E tu voltas a reclamar. E depois voltas a rir. Tomas conta de mim, até chegar a hora de me entregar sã e salva à Senhora das Florestas que virá por mim. Eu sei. Tu também. Guardas-me apenas, e tranquila me proteges em seu nome: para me devolveres intacta. Porque sabes o que eu desconheço: que só a ti é seguro confiar-me. Enquanto ela não vem. Durante o tempo que lhe é preciso até me vir buscar. Como é para ser. Como está escrito que será.

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Sinhá Menina|4:18 da tarde|0 Enviar um comentário



 

A VOLTA DAS AREIAS

Setembro. Chega ao fim a época das chuvas, no país das duas estações. Regressam as areias às margens. E eu sei que se precipita a hora em espera. O rio baixa o corpete das àguas até aos ombros e descobre as praias de areia virgem escondidas por meio ano. Sim, vejo que a volta do barco o aproxima enfim à terra. Vejo-o e percebo claramente no fundo fotografado esse incontornável sinal que facilmente poderia ser deixado escapar a olho nú: começaram a descobrir-se as mutáveis praias adormecidas sob o peso corpolento do Amazonas. Voltou o tempo do regresso das alagadas areias claras. Eu sei. Bem vejo. E sim, sei tudo o que significa na linguagem da Floresta. Sei, sim, do significado da volta das areias na nossa vida.

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Sinhá Menina|8:26 da manhã|0 Enviar um comentário




   terça-feira, setembro 28, 2004  

A ESPECIALISTA



No intervalo dos corpos que apareciam com pressa de foder, a preta Josefina lia romances de amor devagarinho. Josefina, a preta retinta com pele de tambor, que «alternava os seus deveres de dama da companhia com os de crítico literário*».


(*«O Velho Que Lia Romances de Amor» de Luis Sepúlveda)

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Sinhá Menina|9:55 da manhã|0 Enviar um comentário



 

VISITAS "DE MÉDICO"

O Doutor Rubicundo Loachamín, dentista encarregue de aliviar as dores da boca a uma extensão exagerada de municípios espalhados pela Selva, tem duas paragens obrigatórias sempre que vem ao povoado. Uma é na livraria, onde vem cumprir a promessa de abastecer de livros o seu amigo, António José Bolívar Proaño, «O Velho que Lia Romances de Amor» mas que vivia entranhado com os índios, onde não se conhecessem estabelecimentos com prateleiras. A outra é no bordel da marginal onde gosta de se vir deitar com a preta Josefina.

« O dentista gostava das pretas, primeiro porque eram capazes de dizer palavras que punham de pé um pugilista KO e, segundo, porque não suavam na cama. Uma tarde, estava ele a retouçar com Josefina, uma esmeralda de pele brilhante como a de um tambor, quando viu um lote de livros arrumados em cima da cómoda.
- Tu lês? - perguntou.
- Leio. Mas devagarinho. - respondeu a mulher.
- E quais são os livros de que gostas mais?
- Os romances de amor - respondeu Josefina, acrescentando os mesmos gostos de António José Bolívar*


A partir dessa tarde o Doutor Rubicundo Loachamín encarregou a preta Josefina de

«seleccionar, de seis em seis meses, os dois romances que, na sua opinião, proporcionavam maiores sofrimentos, os mesmos que mais tarde António José Bolívar Proaño lia na solidão da sua choça diante do rio Nangaritza*



(* «O Velho Que Lia Romances de Amor» de Luis Sepúlveda)

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Sinhá Menina|9:53 da manhã|0 Enviar um comentário



 

«O Velho Que Lia Romances de Amor»

«O dentista e o velho contemplavam o rio que passava sentados em garrafas de gás. De vez em quando passavam um ao outro a garrafa de Frontera e fumavam charutos de folha dura, dos que a humidade não apaga.
- Trouxe-te dois livros.
Os olhos do velho iluminaram-se.
- De amor?
O dentista fez que sim.
António José Bolívar Proaño lia romances de amor, e em cada uma das suas viagens o dentista abastecia-o de leitura.
- São tristes? – perguntava o velho.
- De chorar rios de lágrimas – garantia o dentista.
- Com pessoas que se amam mesmo?
- Como ninguém nunca amou.
- Sofrem muito?
- Eu quase não consegui suportar – respondia o dentista.
Mas o doutor Rubicundo Loachamín não lia os romances.


(…)

Fumaram e beberam enquanto viam passar a eternidade verde do rio. (…) As badaladas do Sucre anunciando a partida obrigaram-nos a despedir-se.
O velho permaneceu no cais até que o barco desapareceu tragado por uma curva do rio. Decidiu então que naquele dia não falaria com mais ninguém, e tirou a dentadura postiça, embrulhou-a num lenço e, apertando os livros junto ao peito, dirigiu-se para a sua choça.
»



«O Velho Que Lia Romances de Amor» de Luís Sepúlveda

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Sinhá Menina|9:51 da manhã|0 Enviar um comentário




   segunda-feira, setembro 27, 2004  

III ACTO


Toda a dança é um rito irreversível. Depois há tão só algumas danças mais indomadas que outras. Aquelas em que nenhuma pulsão é inofensiva e onde nenhum movimento é inconsequente. Essas são as que, galgando se rompem do coração do umbigo, para vir roer ao âmago e ferir os instintos. Essas são, em geral, as que ainda vivem acostadas à herança de algumas raças: próximas... fundas... implacáveis... como um legado sanguíneo corrido ao cano da veia, falando a nossa língua. A mesma língua. Uma só. Essa mesma em que me danças-me o ponto de fuga, enquanto deixas que o teu corpo me vá sussurrando a golpes tudo o que já não posso evitar ouvir-lhe. «Hoy, tengo ganas de ti

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Sinhá Menina|11:55 da manhã|0 Enviar um comentário



 

II ACTO


Travo de costas, ainda antes de me voltar, esse movimento desencadeado ao largo. Como se bastassem duas mãos hirtas e cruzadas para conter os avanços começados à penumbra.


Distribuis ao espaço o braço firme, cotovelo milimetricamente medido ao exacto ângulo em que fica suspenso e descrito o gesto negro do abraço que desenhas. Ponto por ponto. Passo por passo. Até sair da sombra.

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Sinhá Menina|11:53 da manhã|0 Enviar um comentário



 

I ACTO



Há um esplendor na relva que vem erguer o queixo ao alto: na direcção dos vultos que reluzem quase imóveis na penumbra. Há um trago mais lúcido, mais mestre, mais sábio, que bebe ânsias sem pressa no fundo de sala onde todas as noites gosta de vir sentar-se. Imóvel. Ciente. Fatal.

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Sinhá Menina|11:51 da manhã|0 Enviar um comentário



 

LUA LARANJA


Nenhum ar vem bolir na corrente das janelas escancaradas à noite da cidade. Só o desassossego dos cães. Esta noite os quintais não dormem. Só a cidade e o vento. O rio enrola-se no breu do céu. E esta bola de fogo morno a alaranjar a lua cheia... a lembrar-me a aritmética soma dos meses desde o regresso, a contar sobre mim os dias em falta. A estender-me na madrugada abafada como quem volta a bordo, como quem volta à rede presa no convés e às lendas presas nas pontas de estrelas em redor do Cruzeiro do Sul... Esta lua laranja, grande, imensa, a atordoar-me o cansaço do vôo, a roubar-me o sono, a puxar-me a si como um iman perverso... belo... inquietantemente luminoso. E os cães lá fora. E nenhum ar a bolir para cá das janelas escancaradas. E a chama imperceptívelmente trémula da vela... o silêncio do jardim na cidade que dorme para lá do desassossego dos quintais. E esta cor de laranja que toma conta da lua e me suga e enebria e me impede de afastar daqui e me leva à rede e ao luar do Grande Rio Bravio... me retorna às toadas que chegam do coração da mata densa que enegrece as margens... me abre esta saudade funda e sem remédio da vida interrompida... me acorda no peito tudo o que deve permanecer como está: adormecido... Tudo o que é bom que não se me acorde. E a tua voz, silenciada à força, a voltar com o fim de Setembro... a olhar-me através do foco obsceno da lua laranja... «nocturna paisagem de breus e luas, assim tu és!» Sim, creio que sim!... Creio que a culpa é da lua e desta cor que há dois dias a engravida e está por todos os lados: sempre bem diante dos meus olhos... a acossar-me tudo o que deve continuar dormindo!... Tudo o que não é bom que acorde. Com o final de Setembro. Só porque não há por onde fugir desse alaranjado parir da lua que está por todos os lados. Sobretudo aqui: em casa.

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Sinhá Menina|6:01 da manhã|0 Enviar um comentário




   sexta-feira, setembro 24, 2004  

ÉGUAS

Há um fatal beijo predestinado com que o clã chama à tribo cada égua que lhe pertence. Corre matos e clareiras. Busca rente às línguas de água. Observa-lhe o meneio ao longe, aprende-lhe o estrebuchar, corta-lhe as voltas e barra-lhe os caminhos ao recuo, caso se assuste levemente, caso o instinto lhe estremeça a fuga. Depois aproxima-se de frente. Aquieta-lhe o pulsar da veia com uma mão no flanco. Afasta-lhe as crinas com firmeza, procura-lhe a marca na testa. Derrama-lhe o seu hipnótico fixar ao centro da íris. Confirma-lhe a raça. Prova-lhe a laia. Atesta-lhe a casta de sangue a correr as jugulares. E a cada sinal de montada que entretanto se lhe vai já escapando, murmura-lhe assobios baixinho, amansa-lhe a rebelia com o ancestral canto dos pássaros das copas fundas, entoa-lhe o suave silvo da Grande Serpente Mãe das Águas. Tacteia-lhe devagar os nós onde se imobiliza e deixa quieta, longe do susto, afastada do temor provocado por esse pousar de mão desconhecida. Deixa que se reconheça debaixo de iguais dedos de bicho gémeo. Alivia suavemente a pressão da presença. Deixa que beba da margem. Deixa que se canse no resfolegar da rédea solta com que lhe atravessa o lombo de lés-a-lés. E depois empina-a ao vento que vem do começo das Eras, guardado num qualquer reduto à flor da pele, e cavalga-a de volta, reconduzindo-a ao lugar onde a Grande Nação Primeira ergueu a morada da Tribo Ancestral. Dócil. Mansa. Pronta. Destemida. Nascida selvagem. Égua do mesmo clã. Filha do fatal beijo predestinado às éguas da raça cavaleira.

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Sinhá Menina|10:21 da manhã|0 Enviar um comentário



 

ARAME FARPADO


Pára ainda o carro negro na calçada. Eu sei. Ouço-o ainda passar na rua e sair a acelerar à saída da curva do jardim. Melhor que não parasse. Melhor que não passasse. Melhor que me libertasse a memória desse trabalhar de motor que reconheceria debaixo de água. Teimoso carro negro. Cruel carro negro. Macabro carro negro. Fantasma das noites a deambular-me o lado velho da cidade, a sinalizar na baínha dos sonos todas as perdas vãs, a evocar lá fora a imperdoável monstruosidade da falha que aconteceu cá dentro. Negra carcaça que o relento corrói até ao dia em que todas as peças se hão-de misturar numa amálgama ferrugenta, impossível de decifrar.

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Sinhá Menina|4:32 da manhã|0 Enviar um comentário




   quinta-feira, setembro 23, 2004  

CORREIO DA FLORESTA


Confio à asa da Gaivota do Tejo a tarefa de acompanhar o vôo do Corvo Negro de Lisboa até às raias por onde cresce e se espalham os Povos da Floresta. Confio-lhe a tarefa de lhes levar o meu coração. Dobro com cuidado a alma para que possa caber-lhe inteira dentro. Sem selo nem carimbo. Sem necessidade de ser pesada ou rasgada a verificação postal. Vai, Gaivota da Praça do Império!... Vai e diz ao Grande Rio da vida que me fez chegar às mãos! Vai e conta-lhe que a colina se iluminou num sorriso mais macio, por entre as brumas da saudade e da ausência!... Vai, Corvo Negro da Capital do Paço, e leva notícia deste meu pulo feliz com a Caixa da Floresta entre as mãos!.... Diz ao Meu Amazonas que continua a pertencer-lhe o raro dom de me mimar com os mais belos presentes que algumas vez já desembrulhei ao espanto!.... Vai e diz-lhe que sim: que vai o mel do morro suave adoçar-me a espera! ...e o abacaxi do sabão amassado por mãos simples e amorosas, lavar-me o corpo e a alma na caminhada! ... que vai o teu algodão cobrir-me a cor jambo da pele com a perseverante arte do teu trabalho e pelejar! ... que vai o anel esculpido na casca do mais doce fruto provado na aldeia, fazer mais bela a minha mão, mais comprometida com cada acto que dela saia ao movimento, mais orgulhosa do enfeite que lhe foi permitido, mais ciente da jóia rara que lhe foi entregue e confiada. Como um talismã, a que respondo abrindo-te a minha vida, traçando-a no teu rumo. Eu: a cria que vieste tomar em rito, que dançaste na arena entre os mais bravos Matis... Tu: Meu Toiro Branco, que me suaste contra o colo da Senhora da Floresta, Mãe de remos e tauás, Senhora da Vida jurada à frente... no remanso do rio... na lua gorda... Coaci Senhora... Dona dos Igarapés, guardiã da minha canoa dormida, Senhora dos Meus Passos arredados pelo Velho Mundo.
Choro-te Amazônia. Choro-te no pranto mais feliz que conheço. Choro-te.

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Sinhá Menina|3:07 da tarde|0 Enviar um comentário



 

MUDAS FALAS

Os indígenas erguem o olho ao alto e lêem ao horizonte tudo o que é importante ser sabido. Precisam de poucas falas. Atravessam os meandros onde a frase se deixa ao equívoco, passam para além das palavras e lêem o que é preciso ser lido ainda durante o tempo do seu dizer. Lêem ao fundo, sem sair de onde estão. Guardam os olhos abertos enquanto olham e só. Entre os indígenas se aprende a repensar o valor da pergunta. Com eles se compreende o instante exacto em que ela se faz supérfula. No meio dos indígenas se descobre que a pergunta é só um recurso extemporâneo dos mais míopes ou desatentos. E com o tempo, uma outra percepção do mundo se adestra ao foco da retina: move-se o olho na direcção do fundo ao longe. Como os indígenas, que no horizonte lêem o que fica dito em cima do céu. E assim sabem. Assim se têm: avisados.

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Sinhá Menina|10:33 da manhã|0 Enviar um comentário




   quarta-feira, setembro 22, 2004  

CINZA

Cresci com esta suspeita calada de que toda a ocorrência da névoa é presságio de uma qualquer presença. Mesmo que invisível. E hoje, a cada vez que o céu se fecha numa cinza súbita, sei pelo menos que algo muda para outra coisa. Mesmo que não saiba o quê. Porque toda a cinza acusa a mudança de um estado a outro. Toda. Sempre.

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Sinhá Menina|10:54 da tarde|0 Enviar um comentário



 

ESPÉCIE

Talvez, sim... Mas sabes porquê? Porque as raízes fazem sempre o caminho das águas. É difícil pedir-lhes esse evitamento! Nem tudo cresce a direito. Contrarear o serpenteio, isso sim: é contra-natura.

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Sinhá Menina|9:31 da manhã|0 Enviar um comentário



 

TRA(N)ÇADOS

Tens razão!... Acendi uma nova luz cá em casa. Ou antes, a luz é a que já havia e está sobre o mesmo apoio de sempre. Mas puxei-a mais para o centro. Agora que fazes reparo, apercebo-me de que sim, há uma luz mais ao centro, esta noite. É que olhei esta banqueta forrada a cisal das gáveas e me lembrei de outros artefactos!... Senti uma súbita nostalgia do mundo entrançado dos indígenas, onde tudo é essa arte sentada na paciência, esse vai e vem dos dedos no passajar das dádivas da Floresta. Lembrei-me das cestas e paneiros tecidos de fiapos colhidos às árvores, misteriosa tecitura de esfarrapadas tiras capaz de suster na leveza todo o peso a carregar, de conter na sua trança os mais finos grãos de farinha sem que nenhum se derrame no desperdício do chão. Lembrei-me de como a atenção é a única chave verdadeiramente eficaz para decifrar as diferentes geometrias de cada tribo. Voltei a sentar-me junto da gente dos braços Tupi, quieta e quase muda, a olhar o vermelho e o negro arrancarem-se aos frutos da mata e vir tingir o cipó virgem. E então talvez tenha prestado mais atenção à velha banqueta empurrada para um canto da casa. Talvez tenha fechado os olhos e imaginado que na Casa da Colina de Lisboa crescia um tecto de sapé e que de novo um cântico de nocturno amazónico chegava com a Lua. Abri mais janelas e puxei a banqueta para o centro do tapete. Para mais perto. Para onde possa olhar para ela. E gostei de a tropeçar no meu ir e vir doméstico. Gostei que cada movimento de travessia do espaço me fizesse contorná-la, ladeá-la, rodeá-la, tê-la por centro neste raio que descrevo a cada vez que me desloco dentro da circunferência da casa: na outra margem Floresta.

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Sinhá Menina|5:56 da manhã|0 Enviar um comentário




   terça-feira, setembro 21, 2004  

SAUDADE À FRENTE

Há uma vontade de azul, uma vontade de água, uma vontade de deriva sem rasto. Há uma vontade de ser pequena dentro de uma imensidão maior. Sem armadas, nem canhões. Sem espadas presas nos dentes, nem defesas armazenadas nos porões. Há uma vontade de oceâno sem abrigo, de vela sem porto. E saio de casa sabendo apenas que faço o caminho da praia. Porque preciso de ser eu e o mar e matar talvez esta saudade à frente. Afogar um pouco o vôo. Chegar à areia antes de todas as testemunhas. Despir o vestido e usar as tuas roupas corsárias. Ouvir-te rir esse teu riso capaz de estremecer o mundo. E sair pilhando tudo e todos os que nos cruzarem o leme. Ser princesa maldita, desaprendida de todos os berços de ouro onde me embalaram a fala. Descer contigo ao lôdo do cais, cuspir caroços nas sarjetas e trincar damascos que ninguém lavou. Mesmo que tu velejes hemisférios perdidos da rota. Mesmo que não saias comigo pela manhã, na direcção da praia azul para onde rumo agora o longo curso. E eu sei que haverias de sentir orgulho da cria descalça que ensinaste a sujar-se de vida! Eu sei. Eu sei que entenderias toda a falta que hoje me vive presa entre quatro paredes, enquanto eu corro esta vontade de água em direcção a um azul que não é possível partilhar. Pelo menos agora. Pelo menos por agora.

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Sinhá Menina|1:01 da tarde|0 Enviar um comentário




   segunda-feira, setembro 20, 2004  

«BEM LEVE»


Bem leve leve
revele
quem pouse a pele
em cima de
madeira
beira beira
quem dera
mera mera
cadeira
mas breve breve
revele
vele vele
quem pese
dos pés a caveira
Dali da beira uma palavra cai do chão
caixão
dessa maneira
Uma palavra de madeira em cada mão
Imbuia
Cerejeira
Jacarandá, Peroba, Pinho, Jatobá
Cabreúva
Garapera
Dali da beira uma palavra cai do chão
caixão
dessa maneira



escuta-se na voz de Marisa Monte aqui


... E de repente, são todas as árvores da Floresta a crescer por entre o encerado do soalho português! ... São todos os aromas das madeiras a brotar pelos veios das tábuas corridas e a fazer da casa de Lisboa um corredor «Verde Anil Amarelo Cor De Rosa E Carvão» que me reconduz sobre a cidade ao imbricado de cheiros que guardo de cor: o perfume da madeira das infindáveis espécies de árvores da Minha Amazónia.
A música é na verdade um feitiço poderoso!... E depois há canções que são assim: como esta! ... simples prodígios à evocação. Aliviando os meus dias na distância.

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Sinhá Menina|4:10 da tarde|0 Enviar um comentário




   domingo, setembro 19, 2004  

PURO SANGUE


Aceite-se então o acaso! Sentemo-nos pois lado a lado, enquanto cavaleiros e montadas se perfilam ao desfile. É Alta Escola Equestre, Príncipe Muçulmano! São restos de corte e realeza que sobraram nas duas pontas ermas da Europa: a Aústria, nós e os espanhóis!... Sentemo-nos quietos e paralelos. Não quero hoje também reagir aos véus e haréns das vossas mulheres. Não quero, depois deste par de anos, voltar a discutir consigo, por muito que goste de o ouvir cantar amores de sultão e poemas de deserto. É tão mais simples quando não se busca a conversão! Tão mais simples!... Tão mais simples quando o diálogo se desprende desse vício de domador... quando um povo pode ser só um povo e uma civilização só mais uma cultura!... É tão mais sádio quando o "outro" se dá à partilha como par do mesmo!... E digo-lhe, então: mudemos o assunto para onde nada nos degladie a vizinhança das cadeiras. Façamos assim: eu falo do puro sangue lusitano e você da raça árabe, mas sem nunca perder da mira que o assunto será equídeos e nada para além deles.

(...)

Pergunta-me se sei como foi que nasceu o Primeiro Cavalo. Ouvi dizer que foi depois do criador ter olhado para todas as criaturas que tinha feito até então. Ouvi dizer. Ainda me lembro. Contaram-me, há muito tempo atrás, que foi mais ou menos assim:

Tomou do Leão a altiva arrogância,
Do Tigre a extremada destreza,
Do Cervo a velocidade do vento,
Da Gazela o olho terno e expressivo,
Do Cão a fidelidade,
Do Elefante a memória,
Do Cisne o colo airoso,
Do Onágario o pé de ferro.

E depois num correctíssimo equilíbrio de formas, traçou uma linha a unir todas estas qualidades. Dessa harmonia saiu o contorno do cavalo.

(...)

Creio ter sido assim. Ainda me lembro. Ouvi dizer. Mas foi há muito tempo já. Então você sorri esse vago sorriso de argila, e com o brilho ao centro do olho, faz saltar cavalos das páginas do Corão e vem parir em surdina ao meu ouvido mais uma história para eu somar à criatura:

«Quando Deus quis criar o Cavalo, falou aos Ventos do Sul: “ Quero criar de vós uma criatura para honra dos meus fiéis, humilhação dos meus inimigos e benefício de todos os que professam da minha Fé". Os Ventos do Sul falaram: "Tu és o Criador, fá-lo!". Então, Deus tomou uma mão cheia de Ventos do Sul e criou deles o Cavalo. Ao Cavalo disse-lhe: “O teu nome será Arabe! Que a bondade se agarre á tua frente e o botim ao teu costado. Fiz o teu dono e teu amigo. Dei-te as maiores virtudes de todos os Animais de carga e dei-te a força para voares sem asas, seja no ataque como na retirada. Quero sentar nas tuas costas os Homens que me louvam”.»

(...)

Foi, pois, com estas palavras que o profeta Mahomé fez o Cavalo e criou o puro sangue Árabe. «E é por isso que nós, os fieis do Islão, sentimos esta obrigação sagrada de montar os cavalos belos

... Sim, Príncipe dos Muçulmanos: na verdade não são muito diferentes, os filhos de Mahomé e as Amazonas. Talvez só um apreço por montadas de raças diferentes. Mas apenas isso. No mais, a linhagem do Deserto ou da Floresta é Puro Sangue entre pares: "outros" do "mesmo".

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Sinhá Menina|10:31 da tarde|0 Enviar um comentário



 

AS MARCAS

Desculpa-me!... Perdoa-me ter guerras mais ao longe de que nunca te falei. Mas é que no corpo que se rasga a ti há marcas, sabes?! Fundas marcas invisíveis a olho nú. Há pinturas de guerra com que transfiguro o rosto em certos luares, no outro lado do mundo. E é absolutamente imprescindível a metamorfose. Mas ainda assim, é a linha dos teus ombros que passeio num segredo só meu, enquanto corro brados de guerra na ocidental Costa do Mundo. Porque na minha Tribo eu nasci guerreira e há um galope de onde não posso renegar-me. Perdoa-me. Desculpa-me a guerra e o pelejar. Mas eu volto a ti. Sempre volto a ti. Depois que limpar estas feridas da noite passada. Depois que voltar a ser só aquele corpo liso e limpo que conheces. Esse que eu te levo quando te visito e deponho à mercê das tuas mãos para ser só bom e belo.

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Sinhá Menina|5:10 da manhã|0 Enviar um comentário




   sábado, setembro 18, 2004  

O MEU RIO


E tenho, sim: tenho que ser rude e cuspir um certo ácido na ponta da língua. Porque a voz das meninas soa sempre a esse irritante consentimento no Velho Império, a essa coisa tolerada pela graça protegida de uma certa beleza que assiste ao ser feminino. Evoco todos os teus ensinamentos de calma, mas eu sei que tu és de um Reino ao Longe e me falas de um País onde o Matriarcado das Amazonas é ainda e sempre um louvor sagrado levado mais a peito. Tu não sabes como é nesta Praça ao Norte!!...Tu, não sabes. Não sabes de como é ter voz fêmea à mesa dos homens que ditam as leis no repassar do cachimbo. É preciso amarrar os cabelos, cobri-los com um lenço de corsário para lhes esconder o loiro e impedir que ele ofusque o cerne da questão e desloque ao fundo das pernas o âmago do combate. É preciso fazer com que esqueçam o que os olhos lhes dizem e ser agreste e ser quase tão insuportável ao olho como à presença. É preciso, Senhora! É preciso. É preciso cuspir lascas de fogo por entre o vómito das palavras. É preciso serpentear-lhes a mansa indulgência com que me guardam a escuta, que é para eu não ser só um adorno à mesa, para não ser só um delicioso brinquedo para depois do repasto, não ser só um canto de odalisca a enfeitar-lhes o salão. É preciso garanto-te eu que cresci num berço ao Norte do Mundo. Para que possa falar-lhes do Meu Rio, para que possa levar-lhes a mensagem vital da Floresta que grita. Para que possa ser aqui um pouco mais que peregrina. Para que possa, ainda que ao longe, ser mais um braço estendido por entre os grandes galhos da Árvore Mãe. Um braço transverso ao oceano. Um braço enterrado ao fundo no centro da mesa dos Senhores da Europa caduca, insana nesta ignorância da respiração preste a parar-lhe no pulmão doente.

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Sinhá Menina|7:48 da tarde|0 Enviar um comentário



 

ALÇANDO O VÔO


Regressada eu, agora, da uva vindimada ao norte, das encostas e sucalcos do Douro, do rio que corre em círculos!... Regressada a tempo de ver ainda decolar a asa do pássaro de ferro que te traz ao Velho Continente!... Regressada a tempo de te acenar no bico de uma qualquer nuvem mais adiante: te saudar o vôo, te dizer "Traz, Amigo, traz a fala da Grande Floresta Primeira, para cantar na praça do Império!"... Gosto de te saber na quadriga, empinando crinas e cavalos pelos pastos romanos, trazendo brados da Grande Nação Guerreira ao pálido Salão da Europa! Quem dera pudessem as vozes da vossa florestania também passar um dia pelas praças de Lisboa!... Quem dera, pois há horas em que a luta dói e o coração pede um rufar de tambores capaz de chamar as gentes da Tribo em nosso auxílio. ...E agora voe!! Voe, sim!... Voe comprido, apontado ao ouvido mais surdo e mais teimoso. Voe lá!! Voe já!!

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Sinhá Menina|7:37 da tarde|0 Enviar um comentário



 

PUNHO



Eu digo: «Cheia». Tu dizes: «Preenchido». E de novo me volta esta sensação atordoada pela ausência de vazios. É grave, pode ser muito grave...eu sei. Pode ter a gravidade das relações fortes. Porque há esquinas que se dobram para serem junção de inesperadas parelhas sem cansaços. Porque eu sei, sim, que existem misteriosas combinações alquímicas onde quanto mais se repetem as passadas, maior é a descoberta... onde quanto mais se vê, mais interminável é a surpresa e mais inesgotável a novidade. Na física chamam-lhe o Princípio do Infinito. É real e demonstrável à luz dos rigores científicos. Os poetas já o vinham cantando desde o começo das eras, mas nunca ninguém prestou grande atenção aos poetas, é um facto. Eu, como não sou nem cientista, nem poeta, limito-me ao conhecimento de experiência feito que é o dos amantes, e antecipo o vertiginoso abismo da multiplicação desmultiplicada e remultiplicada em dobro... Essa que acontece muito de quando em vez. Dobradas que são algumas esquinas. Na inesperada mas sempre feliz combinação de algumas alquimías.

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Sinhá Menina|5:00 da manhã|0 Enviar um comentário



 

HORIZONTAIS

Tu somas-te em quedas mais ao largo. Refletes-te numa cegueira à margem do espelho e teimas em te soerguer, como quem não é nem nunca mais será capaz de se levantar.

Tu deixas-te estar. Como quem saboreia o que quer que seja que te recolheu ao útero, numa devota doçura sem arrependimento.

Tu viras-te a direito pelos avessos. Catas fragmentos resgatados ao tempo e recrias um muro por entre fissuras e paredes, como quem volta ao verso e estende um caminho de pedra aos pés descalços dos coiotes que a vida te traz.

E eu, eu consinto o tombo ao sentir das camas que passam sob o meu peso. Abro um olho. Mantenho-o imóvel. Talvez quieto. Talvez pronto. Um olho estendido áquem de cobertas e almofadas. Como quem não é imune a nenhuma linha transversa às diagonais e se esquiça na exacta tangente dos traçados horizontais.


(...)

Não, nenhuma queda é mortal. Nenhum chão é igual. Nenhum corpo ocupa o mesmo espaço. Nenhum sono se repete. Mas acima de tudo: não, nenhuma queda é fatalmente mortal.

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Sinhá Menina|2:01 da manhã|0 Enviar um comentário




   terça-feira, setembro 14, 2004  

VIR A TI


Leva-me, então. Leva-me a ti. Leva-me ao cimo da casa, ao cimo da cama, ao fundo de onde podes ir-me, ao fundo da pele e das formas, ao fundo das muitas mortes que estendo à tua mercê. Deixo-te o dia e deixo-me a ti. Deixo que me canses e que me descanses, que me durmas e adormeças só para teres tudo num só dia, tudo de uma vez só. Como ver-me dormir. Como se amanhã pudesse não existir.
... Só porque amo tudo o que acontece a seguir a esta vontade de te trepar o colo... Só porque amo todas as coisas que nunca ninguém nos prometeu. Só porque amo o que acontece lá mais à frente, mais adiante, lá ao cimo, rente a ti: no fundo disso que nem tu nem eu sabemos o que seja ou como se diga. Só porque tenho que nos deixar saber mais do já sabemos. Eu e tu.

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Sinhá Menina|8:00 da tarde|0 Enviar um comentário



 

A CORDA

...O que é que interessa?? Que interessa tudo o mais, se a noite é uma corda esticada que me iça para ti? Se a noite é essa ânsia que me faz correr na pressa de escalar a tua varanda e te trepar o colo? Se a noite é esse braço atravessado entre o último abraço e este em que agora me gritas e faltas, mesmo que não possas estar aqui? ...E , então, acelero o mundo em meu redor, desembaraço-me dele à pressa e acelero o carro, e acelero o peito e acelero a falta: quero o teu colo. E quero agora. E quero já. Mesmo que nada possas contra as leis da física. Mesmo que não me chegues sequer a tocar. Mas quero-te a ti. Talvez não to diga porque te quero bem. Todo o bem do mundo! Ou não me contenha e me esqueça que jurei proteger-te de mim e de todas as coisas que me cabem dentro. E sim, aperta mais esse laço com que me contornaste no outro fim de tarde. Aperta, sim. Vem cá que eu confesso!... Confesso, afinal, que me faltas. Confesso que quero a corda do teu braço a apertar-me mais, a esmagar-me ao centro do peito. Confesso que é só o teu colo, o lugar onde verdadeiramente me queria esta noite. E por ti eu corro. Por ti eu acelero. Agora. Numa pressa imensa de te chegar antes que apagues a luz e adormeças. E de dentro do teu abraço eu respondo-te que sim: que te chegarei pela manhã. Quando já for amanhã. Que te chegarei, sim. Pela manhã.

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Sinhá Menina|6:35 da manhã|0 Enviar um comentário



 

PLATEIA

Sim, o mundo pode ser muito pequeno, é verdade! Por mim, preferia até que fosse uma aldeia. Sim, é verdade: o recado havia-me chegado. Os teus mensageiros sempre tiveram asas nos pés!... Disseste não importar a multidão. Disseste que 20 mil pessoas seria ninguém. Disseste que havias de saber exactamente onde respirava, que em verdade a sala estaria vazia e não te seria tarefa complicada. Disseste que havias de me encontrar, que me encontras sempre. Muito bem!...Sentas-te quatro filas a baixo. Devemos considerar a promessa satisfeita, nesse caso? Que devo fazer agora? Dar-te os parabéns por teres acertado? Aplaudir-te por teres conseguido cumprir a jura? Diz-me que faço?

Nesse caso, se não te incomodas prefiro ficar aqui. Conheces-me bem (demasiado bem): creio que podemos tirar proveito das vantagens que isso nos dá. Sabes que não gosto de me mover um milímetro do lugar que ocupo. Portanto, prefiro ficar aqui. Mesmo quando o olhar me desce um pouco na penumbra das luzes psicadélicas, no silêncio ensurdecedor da música, e a tua nuca é só mais um ponto diluído na multidão... e a tua nuca já não é do mesmo negro liso dos cabelos que em tempos te suei... e a tua nuca é só aquilo que é: um pedaço de porcelana assinalado no escuro, frágil e nú e, todavia, incapaz de me comover com a obsessão em que ainda se obstina.



Fiquemos pois assim: olhando um palco ao fundo. Ainda que vejas o mesmo que eu, já não te pertence o lugar na cadeira ao meu lado. Hoje estás quatro filas mais a baixo de onde me sento. E não! Não nos encontraremos no fim, à saída. Mas essa é já uma promessa minha, sem direito a aposta, que as minhas certezas jamais serão um jogo à espera do teu aplauso.

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Sinhá Menina|1:19 da manhã|0 Enviar um comentário




   segunda-feira, setembro 13, 2004  

AO CENTRO DA MONTRA


De volta ao Mundo Civilizado, percebo igual a ordem de todas as coisas. Mesmo a das coisas há muito deixadas ao fundo. Continuam iguais as montras. A Barbie continua a ser a loira boneca da moda que todas as meninas escrevem na lista dos brinquedos pedidos. Sempre igual, a Barbie! Sempre. Nunca, na verdade diferente do que sempre foi...! Mas as meninas continuam a parar para saber com que roupa vem agora: Barbie Fim-de-semana, Barbie na Praia, Barbie Primavera, Barbie Viagem Impossível, Barbie Veterinária, Barbie Jornalista, Barbie Astronauta, Barbie Pop Star, Barbie Vestido de Noite... Mudam os cenários, redecora-se-lhe a embalagem, e ela permanece a boneca que ainda falta ter. Como sempre continuará a faltar saber qual o carro novo da Barbie, qual a casa nova da Barbie, qual a nova cama da Barbie... se foi entretanto lançada uma amiguinha nova da Barbie... ou se ao invés voltou a aparecer com o Ken ao lado. A Barbie não sai da montra!... Há sempre um olho à espreita, sempre alguém a catalogar-lhe o mundo e pronto para divulgar a notícia das novidades... sempre alguém disposto a editar-lhe os passos numa revista muito cor-de-rosa, com muitas imagens e poucas linhas, macia aos dedos, rápida de folhear, distribuída por assinatura nas caixas de correio de todas as meninas que pagam para estar inscritas no clube da Barbie.
Não, a Barbie continua na frente da montra!... E já era tempo que saisse! Já não era sem tempo que lhe fizessem o favor de a arrecadar nas prateleiras ao fundo!... É-lhe imenso o cansaço da exposição! É-lhe penoso o fardo de continuar a ser um brinquedo das massas, indiscriminadamente publicitado, apetecidamente vendável. É-lhe incalculável o desgaste de estar ainda na moda, mesmo depois de tanto tempo!...

Ali, há tanto tempo na dianteira da montra, de frente para o desfile da cobiça das meninas, que será que vêem os olhos da Barbie?... Ninguém quer saber, na verdade! A Barbie não vê: tem a cegueira das bonecas. De todas as bonecas: só mais loira, só mais famosa, só mais cara. E por isso é igualmente odiada. Na inversa proporção da adoração. Odiada por todos os que não conseguem achar-lhe graça nenhuma. Até por mim! Sobretudo por mim.

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Sinhá Menina|11:40 da manhã|0 Enviar um comentário




   domingo, setembro 12, 2004  

GATA DA MATA



Então guia os meus olhos, Grande Guerreiro, Faro de Lince, Olho das Águas!... Quero ser como tu: apontar o olho à mesma mira que tu. Não sou tua Sinhá!... Mas aceito: que seja eu, então, Sinházinha dos teus cuidares!... Guia-me,sim. Guia-me então. Vou nos trilhos dos teus passos de mato. Ergue-me a atenção ao alto. Mostra-me. Leva-me. Deixa-me ver o mesmo que tu. E á noitinha, depois de acenderes fogueiras para me espantar as feras, quando chamares baixinho os Espíritos Verdes da Floresta para me guardar dos perigos que estão além de ti, vem sentar-te mais perto: conta-me o que sabes da vida com dois ou três contos à mistura.


Dá-me uma lenda narrada na garganta do breu, Caçador das Feras! Não quero a tua onça, Grande Guerreiro das Matas. Só quero ouvir-lhe a história pela tua voz primeira e depois dormir. Dormir para outra vez ser Sinházinha dos teus cuidares e pedir que me guies... quando amanhecer.


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Sinhá Menina|11:08 da manhã|0 Enviar um comentário




   sábado, setembro 11, 2004  

PANO



Ao sol nublado de Setembro, amanhece este grito estridente por onde me chega o clamor da selva...

...Porque a Floresta não conhece trégua. A Floresta é esse desassossego ao canto do peito... a assobia-me como quem chama uma criatura sua... como quem reclama a volta... como quem não se aquieta... a lembrar-me ao regresso... a agitar-me inquietudes... E volto eu a amarrar o pano verde à cintura, com o acordar. Como nas manhãs acordadas no coração da Selva...

... E volto eu a sentar-me entre as mulheres Marubo, no silêncio das tardes lânguidas... Passam-me sabão de abacate no corpo. Prendem-me penas vermelhas de arara brava nas madeixas e casquilhos de pupunha ao pescoço. E outra vez eu me deixo quieta... como uma boneca perdida para ser achada numa vereda de caminho mais ao fundo. Deixo-me a elas. Deixo-lhes tudo. Podem tudo! Deixo que componham aos pedaços um híbrido de mim mais ao centro do espelho.

... E temo que tenha que sair nua de casa!... Hoje...! Temo que tenha que andar nua pela cidade, eu!...Hoje...! Porque me tornei incapaz destas roupas e agora já não sei como me vestir.

Doiem-me as roupas guardadas, à espera do regresso ao centro do espelho.
Doiem-me estas gavetas por abrir.

Dói-me esta metade fechada do armário.

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Sinhá Menina|10:20 da manhã|0 Enviar um comentário



 

TOQUE



Gosto do caminho que as tuas mãos me deixam à pele. Gosto desse correr dos dedos, de onde em onde. Não te sei dizer mais nada. Só desse rasto deixado... como uma asa azul de morcego a pairar na madrugada!...

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Sinhá Menina|7:06 da manhã|0 Enviar um comentário




   sexta-feira, setembro 10, 2004  

UMA "BEIRA DE CAMA"



Dás-me uma beira de cama contra a parede... uma beira de cama atrás da porta... do lado oposto ao correr do estore... ao cimo da escada... ao cimo da casa... na despedida da tarde. Dás-me uma beira de cama quando as palavras resvalam e os sentidos chegam à boca. E o mundo foge no limiar da rua. E eu não sei de ti senão onde estás. Agora. E não tenho para te dizer mais do que te faço. E não tenho para saber mais do que sinto. Ali. Onde tu também estás. Enquanto um abraço nos escorrega para uma beira de cama por fazer.

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Sinhá Menina|11:41 da tarde|0 Enviar um comentário




   quinta-feira, setembro 09, 2004  

ABRAÇADA



Olho e a imagem persegue-me: há dias. Abraço-te e a imagem ganha mais textura do que tinha, mais espessura do que havia, mais densidade do que era para ter: agora.

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Sinhá Menina|7:49 da tarde|0 Enviar um comentário




   quarta-feira, setembro 08, 2004  

O LIVRO



Agora chove aqui também. Lê para mim, então!... Sim! Lê-me baixinho enquanto chove e eu fecho os olhos na saudade de janelas sem vidro, e eu fecho os olhos e imagino que o algeiroz do telhado é, na verdade, o grande tronco maciço da jaboticaba... e eu fecho os olhos e sinto de novo a cortina húmida com que, subitamente e sem grande aviso, a chuva acinzenta o céu... Deixa que suba para o teu colo, me embale na tua voz em conto e regresse à rede, aos pingos pingando do galho à folha, escorregando nas caleiras de terra depois das raízes, sulcando regos aguados no chão tórrido e tomando rumo para fora da cerca, num caudal insubmisso que já não se confina nem à casa nem ao quintal.

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Sinhá Menina|4:44 da manhã|0 Enviar um comentário




   sábado, setembro 04, 2004  

OBRAS GÉMEAS


Amo-te não porque vês o belo nos mesmos recantos que eu. Amo-te não porque te atrais no mesmo que eu. Amo-te porque não tens medo da estranheza e te atreves apesar do desconhecido. Amo-te porque não precisas de convocar diferenças e semelhanças para entender o que cabe dentro das palavras vistas. E então não fujo, nem me afasto: antes fico a ver-te vir-me buscar sem eu dar por isso. Antes fico a dizer-te na madrugada todas as coisas que amo em ti, evitando-nos ao equívoco imperdoável de achar que temos que falar de amor.

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Sinhá Menina|4:13 da tarde|0 Enviar um comentário



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