
ÉGUAS


Há um fatal beijo predestinado com que o clã chama à tribo cada égua que lhe pertence. Corre matos e clareiras. Busca rente às línguas de água. Observa-lhe o meneio ao longe, aprende-lhe o estrebuchar, corta-lhe as voltas e barra-lhe os caminhos ao recuo, caso se assuste levemente, caso o instinto lhe estremeça a fuga. Depois aproxima-se de frente. Aquieta-lhe o pulsar da veia com uma mão no flanco. Afasta-lhe as crinas com firmeza, procura-lhe a marca na testa. Derrama-lhe o seu hipnótico fixar ao centro da íris. Confirma-lhe a raça. Prova-lhe a laia. Atesta-lhe a casta de sangue a correr as jugulares. E a cada sinal de montada que entretanto se lhe vai já escapando, murmura-lhe assobios baixinho, amansa-lhe a rebelia com o ancestral canto dos pássaros das copas fundas, entoa-lhe o suave silvo da Grande Serpente Mãe das Águas. Tacteia-lhe devagar os nós onde se imobiliza e deixa quieta, longe do susto, afastada do temor provocado por esse pousar de mão desconhecida. Deixa que se reconheça debaixo de iguais dedos de bicho gémeo. Alivia suavemente a pressão da presença. Deixa que beba da margem. Deixa que se canse no resfolegar da rédea solta com que lhe atravessa o lombo de lés-a-lés. E depois empina-a ao vento que vem do começo das Eras, guardado num qualquer reduto à flor da pele, e cavalga-a de volta, reconduzindo-a ao lugar onde a Grande Nação Primeira ergueu a morada da Tribo Ancestral. Dócil. Mansa. Pronta. Destemida. Nascida selvagem. Égua do mesmo clã. Filha do fatal beijo predestinado às éguas da raça cavaleira.
Etiquetas: Amazona BLG