

Nenhum ar vem bolir na corrente das janelas escancaradas à noite da cidade. Só o desassossego dos cães. Esta noite os quintais não dormem. Só a cidade e o vento. O rio enrola-se no breu do céu. E esta bola de fogo morno a alaranjar a lua cheia... a lembrar-me a aritmética soma dos meses desde o regresso, a contar sobre mim os dias em falta. A estender-me na madrugada abafada como quem volta a bordo, como quem volta à rede presa no convés e às lendas presas nas pontas de estrelas em redor do Cruzeiro do Sul... Esta lua laranja, grande, imensa, a atordoar-me o cansaço do vôo, a roubar-me o sono, a puxar-me a si como um iman perverso... belo... inquietantemente luminoso. E os cães lá fora. E nenhum ar a bolir para cá das janelas escancaradas. E a chama imperceptívelmente trémula da vela... o silêncio do jardim na cidade que dorme para lá do desassossego dos quintais. E esta cor de laranja que toma conta da lua e me suga e enebria e me impede de afastar daqui e me leva à rede e ao luar do Grande Rio Bravio... me retorna às toadas que chegam do coração da mata densa que enegrece as margens... me abre esta saudade funda e sem remédio da vida interrompida... me acorda no peito tudo o que deve permanecer como está: adormecido... Tudo o que é bom que não se me acorde. E a tua voz, silenciada à força, a voltar com o fim de Setembro... a olhar-me através do foco obsceno da lua laranja... «nocturna paisagem de breus e luas, assim tu és!» Sim, creio que sim!... Creio que a culpa é da lua e desta cor que há dois dias a engravida e está por todos os lados: sempre bem diante dos meus olhos... a acossar-me tudo o que deve continuar dormindo!... Tudo o que não é bom que acorde. Com o final de Setembro. Só porque não há por onde fugir desse alaranjado parir da lua que está por todos os lados. Sobretudo aqui: em casa.
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