
SAUDADE À FRENTE

Há uma vontade de azul, uma vontade de água, uma vontade de deriva sem rasto. Há uma vontade de ser pequena dentro de uma imensidão maior. Sem armadas, nem canhões. Sem espadas presas nos dentes, nem defesas armazenadas nos porões. Há uma vontade de oceâno sem abrigo, de vela sem porto. E saio de casa sabendo apenas que faço o caminho da praia. Porque preciso de ser eu e o mar e matar talvez esta saudade à frente. Afogar um pouco o vôo. Chegar à areia antes de todas as testemunhas. Despir o vestido e usar as tuas roupas corsárias. Ouvir-te rir esse teu riso capaz de estremecer o mundo. E sair pilhando tudo e todos os que nos cruzarem o leme. Ser princesa maldita, desaprendida de todos os berços de ouro onde me embalaram a fala. Descer contigo ao lôdo do cais, cuspir caroços nas sarjetas e trincar damascos que ninguém lavou. Mesmo que tu velejes hemisférios perdidos da rota. Mesmo que não saias comigo pela manhã, na direcção da praia azul para onde rumo agora o longo curso. E eu sei que haverias de sentir orgulho da cria descalça que ensinaste a sujar-se de vida! Eu sei. Eu sei que entenderias toda a falta que hoje me vive presa entre quatro paredes, enquanto eu corro esta vontade de água em direcção a um azul que não é possível partilhar. Pelo menos agora. Pelo menos por agora.
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