
JÓIAS

Há um lado de mim que se esquece todos os dias que já não moro na selva, à beira do rio. Há outro que se irrita com o esquecimento. Porque é demasiado cansativa a curiosidade dos outros, sobretudo quando não lhe interessa mais que o exótico pitoresco das coisas.
Podia contar-te da destreza das mãos que enfileiram cada uma destas voltas e da paciência lascada nas beiras de sombra e esteira, onde estas jóias se engendram no acalanto das tardes acima dos quarenta graus. Podia contar-te da perícia por detrás de cada pena emplumada, da persistência de cada curva circundada ao osso e à casca dos frutos pela escama afiada do jacaré. Podia contar-te de como se arrancam as cores à Mãe-Natureza para tingir talismãs raros à medida do belo insubstituível que há em cada mulher. Podia contar-te das matemáticas implícitas em adorno por onde falam as geométricas línguas de cada tribo. Podia muitas coisas, mas creio que não terias por onde escutar nenhuma delas. Na selva de onde venho, as formas de dizer o gosto exprimem-se de um modo bem diferente. Na selva por onde andei, não se desperdiça o efeito de agrado causado à retina por uma mulher. Faz-se qualquer coisa com ele. Cria-se qualquer coisa a partir dele: um cocar, um colar, uma braçadeira, uma música, uma dança, uma canção, uma toada. Na selva de onde vim, o elogio tem um contorno e a vaidade uma razão tangível.
«O teu olhar já me enfeitiçou
o teu calor é fogo, amor
menina-mulher é pura beleza
doce veneno me enlouquecendo
brincadeira de criança
nasceu minha paixão
mulher-guerreira, bela Tupinambá
Vermelho forte é minha paixão
a sua mais completa evolução
ao som do tambor ela vem surgindo
sua pele é meu manto vermelho e branco
vou colorir a ilha inteira de emoção
com a mais linda bela Tupinambá
Cunhaporanga
o teu bailado gingado
dançando na arena
o toque do meu coração
vem no compasso vermelho
vibrando com o boi campeão*»
* composição de David Assayag
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