Cravo um alfinete em cada canto. Esquiço a pó de giz meia dúzia de linhas sobre as vindimas do Douro. Movo quatro livros de poesia para uma prateleira mais acima do primeiro degrau. Troco uma lâmpada fundida e fico no patamar da lua, sob a voz rouca e maltratada do Mestre. «O que é? Sabes?» Não, eu não sei. Só adivinho. Pelo que não digo. Pelo que não faço. «Já não me é permitido ter-te ao colo?» Não, creio que não. «White Satin, é do meu tempo. Não é do teu.» Fizeste-me precoce, lembras-te?! «Bem sei!... Hoje seria crime!...» Criminosas mãos do Mestre, as tuas, então!... «Chove e falas baixo. Devia ir aí.» Sabes o quão obscena pode ser a ânsia de paternidade póstuma? «Sei que estás a falar muito baixo, esta noite.» Estimulaste o meu horror a amigos queridos e preocupados, recordas-te? «Estou arrependido.» Não estejas. Não vale a pena, garanto-te. «E sabes ao menos o que é?» Não, não sei. Adivinho, já te disse. «Disseste!... E eu? Já te disse que White Satin é do meu tempo e não do teu?» Acho que sim, mas eu gosto do gancho que fica pendurado no fim da música. Gosto muito. «Lembra-te de mim?» Não. Lembra-me amanhã. «Sim, afinal tu sabes!» O quê? « O que te faz falar mais baixo!...» É verdade: sei.
« (...) Red is grey and yellow's white
And we decide which is right
And which is an illusion*.»
*o fim da música. Moody Blues: como é sabido.